No entanto, é de se estranhar a falta de atenção que se dá ao desenho dos alfabetos. Várias letras que nos são velhas conhecidas guardam segredos. Você é capaz de dizer, por exemplo:
01. O que quer dizer (e de onde vem) a “cedilha” do Ç?
02. Por que a letra ß alemã quer dizer “ss” e não “b”?
03. Como surgiu o caractere & e por que ele se chama “ampersand”?
04. Como surgiu o caractere @ e onde mais ele é usado além de e-mails?
05. Quando surgiram as minúsculas e quando se propôs sua extinção?
06. Por que textos antigos não tinham letras sem serifa?
07. O alinhamento de texto mais recente é à esquerda, à direita, centralizado ou blocado?
08. Por que não se chama texto blocado de “justificado”?
09. Por que é tão difícil de se calcular em números romanos?
10. Qual a diferença de se usar bold e itálico em um bloco de texto?
Veja as respostas…
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01. O que quer dizer (e de onde vem) a “cedilha” do Ç?
Analise o som do “ç” – ele não é um S, mas tampouco não é um C ou um Z.
Em espanhol, percebeu-se que ele poderia ser a união dessas duas letras. Mas “ç” é muito diferente de “cz”, pensariam todos.
É verdade. Mas e se o som do C fosse forte e o do Z mais fraco? Um “c-zão” com um “z-zinho”, ou mesmo um “c com z-zinho”? Pode ser… some-se ao fato que a letra Z em espanhol se chama “zeta” e seu diminutivo, “zedilla” e teremos “c-zedilla”.
Daí foi só traduzir.
02. Por que a letra ß alemã quer dizer “ss” e não “b”?
Essa sempre me intrigou. Até ver que, em alfabetos medievais, existiam dois sinais diferentes para a letra S, um para indicar o som forte de “sapo”, outro para o som suave de “pedras”.
Para indicar o “s forte”, usava-se uma letra diferente, muito parecida com um “f”, só que sem a haste.
A letra alemã, significando “ss”, juntava as duas letras, que, ligadas, formavam um caractere parecido com a ß grega, mas de um uso completamente diferente. Tanto que, em alemão, ela se chama “eszet”.
03. Como surgiu o caractere & e por que ele se chama “ampersand”?
O sinal de & surgiu para simbolizar a letra “et”, que vinha do latim e que queria dizer algo como “mais, união” – era, portanto, mais abrangente que um simples “e” e por isso é tanto usada em parcerias comerciais.
Seu formato vem da escrita cursiva rápida: ao se escrever as duas letras juntas, acabou-se por se desenvolver uma letra que simbolizasse ambas (em caracteres como Garamond itálico fica muito mais fácil de se ler o “et”).
Ela era colocada no final do alfabeto e seu nome era simplesmente “et”, o que dava bastante confusão. Para tentar diminuir o problema, as pessoas se referiam a ela como “et per se and” – ao juntar as palavras todas, ficava mais fácil se referir àquela letra (o “et” que queria dizer “and”) por sua corruptela, “ampersand”.
04. Como surgiu o caractere @ e onde mais ele é usado além de e-mails?
Esse tem a mesma origem do ampersand. Vem de “at” e nunca foi letra – era um símbolo gráfico de referência a lugares, posições ou até salários. Até hoje é comum ver o sujeito sentado @ mesa 9 ou recebendo uma proposta para trabalhar @ US$ 60.000/ano.
05. Quando surgiram as minúsculas e quando se propôs sua extinção?
As minúsculas cursivas (a famosa letra de mão) vêm da idade média, mais precisamente do Sacro Império de Carlos Magno, época em que se tornou necessário produzir muitas bíblias para as colônias do território em expansão. Como todos sabemos, elas são mais rápidas de se escrever que um texto todo em maiúsculas.
Como eram letras menores e menos trabalhadas, eram chamadas em latim de minor – minuscule, em contraposição às letras major – majuscule, utilizadas nos começos de sentença, para se referir a Deus e aos nomes próprios.
Em alemão, os substantivos também começam em maiúsculas, o que levou as letras tradicionais a terem suas hastes ascendentes de uma forma diferente, mas isso é outra história.
06. Por que textos antigos não tinham letras sem serifa?
Por tradição. Poucos liam e menos ainda escreviam. Se a serifa vinha do Império Romano e era usada na Bíblia, poucos tinham coragem de questioná-la. Para completar, até o fim do século XIX era muito difícil ter tecnologia para se produzir uma letra efetivamente com ou sem serifa.
Se você analisar com calma um documento antigo, verá que essa questão não é tão precisa.
07. O alinhamento de texto mais recente é à esquerda, à direita, centralizado ou blocado?
Essa é fácil: à direita. Blocado vem do Império Romano, centralizado desde a Bíblia, alinhado à esquerda surge com as primeiras tipografias e à direita só no século XX, em movimentos como a Bauhaus, o Dadá e a Neue Typographie.
08. Por que não se chama texto blocado de “justificado”?
Porque é um falso cognato, uma tradução mal-feita. “Justified” em inglês quer dizer “ajustado”, sem espaços nas margens. O que não tem nada a ver com erros e justificativas, a não ser que você use esse alinhamento em um bilhete pedindo desculpas.
O argumento “programas de computador usam o termo” não é exatamente uma boa desculpa, já que eles também usam “salvar” em vez de “gravar”.
09. Por que é tão difícil de se calcular em números romanos?
Porque eles não foram feitos para isso – naquela época se calculava em ábacos e só se usava o alfabeto romano para registrar o resultado. Por mais que pareça insano, era um dos primeiros sistemas de criptografia, já que é praticamente impossível de se falsificar um inventário talhado no mármore. Pense no seu talão de cheques, veja como é fácil mudar os números.
A idéia de símbolos que serviriam para registrar quantias e também para operá-las surgiu na Índia e chegou ao ocidente pelos países árabes, que chamavam essas “letras especiais” de algo como “al-kharism”, que virou algarismo e, mais tarde, algoritmo.
10. Qual a diferença de se usar bold e itálico em um bloco de texto?
Como bem definiu o designer gráfico Marcelo Martinez, “um grifo é um grifo” – ou seja, você pode até usar qualquer marcação, contanto que não mude as regras no meio do jogo. Se usou bold para se referir a nomes de autores, continue a usá-lo até o final do texto.
Muito bom, mas isso não responde a pergunta. Em linhas gerais, uma palavra em bold é exatamente o que o termo em inglês sugere: assertivo, confiante, um pouco agressivo e folgado. Ela é mais escura, portanto é lida primeiro e tende a ser vista várias vezes, enquanto outras linhas são lidas. Funciona mais ou menos como levantar um pouco a voz: não é gritar, mas é bastante firme.
Já o itálico (a origem do nome eu conto outro dia) tem uma função bem diferente. Como muda o eixo das letras – e conseqüentemente a forma das palavras – a leitura se torna mais lenta, segue um outro tom. Por isso é usada para citar palavras estrangeiras pouco usadas (connoisseur sim, marketing não) e citar pessoas (bem ou mal, é como imitar a voz de alguém).
Mas isso são só sugestões. Como muito bem diz o Marcelo, a regra é livre contanto que seja seguida.
Fonte: DWD3