Cartas na mesa: Há mais coisas entre o céu a terra do que supõe nossa vã filosofia

Cartas na mesa

Buenas, buenas, caros internautas!

Hoje iniciaremos a mais nova coluna do [bi]: Cartas na mesa.

As principais notícias e os fatos de destaque no Brasil e no mundo, com um enfoque diferenciado e sem medo da verdade. Doa a quem doer.

E na primeira edição não será diferente, falaremos sobre um acontecimento trágico que assolou o país.


O que presenciamos no último dia 07 de abril na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Bairro de Realengo no Rio de Janeiro, pode parecer algo improvável ou imprevisível para alguns, mas digo que era apenas questão de tempo para que uma tragédia como esta acontecesse em nosso país.

Do seu nascimento à infância, da adolescência à fase adulta, Wellington Menezes de Oliveira teve sua mente alimentada por essa sociedade que explora os estereótipos, com muitas decepções, frustrações, perdas, ódio, más influências, humilhações de todos os tipos e muitos outros ingredientes que contribuíram para sua retração social e posteriormente para a barbárie.

Sua história começa no ano de 1987. Wellington nasce de uma mulher doente, Eliete Pereira, que sofria de esquizofrenia, doença essa que o portador não consegue distinguir o certo do errado, o bem do mal. Após descobrir que o marido tinha outra família, Eliete tenta tirar a própria vida ao jogar-se na frente de um ônibus, ainda grávida de Wellington. O acidente não deixa sequelas no bebê, mas provocou um quadro de alteração psicológica na mãe, que entrou em depressão profunda e teve síndrome do pânico.

Após o nascimento, Wellington fora adotado por Dona Dicéa, uma mulher idosa e com filhos já adultos. Em sua infância ele se comporta de forma estranha. Era calado, tímido e introvertido, chegou a ter acompanhamento psicológico, mas depois acabou por abandoná-lo.

Na escola, seu comportamento fugia a convenção social do que é ser normal. Preferia fazer os trabalhos sozinho, mas apesar disso suas notas eram bem satisfatórias. Não tinha amigos e costumava ficar isolado em seu mundo, num canto do pátio da mesma escola em que anos mais tarde ele mostraria sua face mais cruel e sombria. E é exatamente nessa mesma escola que ele era submetido a sessões diárias de violência física e psicológica. Era chamado de estranho, bobão da turma e muitos outros apelidos ainda mais constrangedores. Seus algozes chegavam ao ápice da humilhação ao caçoar por exemplo de sua deficiência física (Wellington era manco) e ao jogá-lo dentro de lixeiras e vasos sanitários ainda sujos. Ao invés de revidar as agressões, ele preferia ficar calado ou sair de perto de quem o incomodava.

Anos mais tarde estes mesmos ex-colegas se disseram culpados, em partes, pelos atos de Wellington, como se agora adiantasse.

As marcas da violência, que hoje recebem a denominação de bullying, vão além das cicatrizes deixadas na pele, são mais profundas na alma de quem sofre. Afirmo que os problemas decorrentes da prática do bullying, tanto em relação a prática em si, quanto aos efeitos provocados em quem sofre a violência, é de responsabilidade de todos: pais, professores, autoridades e a sociedade. A omissão é um fator de incentivo para esse tipo de agressão.

Todos sabem o que acontece nas escolas, mas preferem protelar algum tipo de ação para coibir os agressores.

Um estudo divulgado no último dia 15/04, nos Estados Unidos, revelou que 87% dos casos de ataques em escolas no mundo, como o que aconteceu em Realengo, foram cometidos por atiradores que haviam sofrido bullying e foram movidos pelo desejo de vingança. O mesmo estudo apontou que mais de 160 mil alunos dos Estados Unidos faltam as aulas diariamente por medo de serem surrados, humilhados e agredidos verbal e fisicamente. 70% dos casos de ataques em escolas foram cometidos em solo americano, a exemplo do Massacre de Columbine.

Não digo que todos aqueles que sofreram bullying irão ter o mesma atitude de Wellington, mas as marcas e o sentimento de vingança somados à algum desequilíbrio mental pode ter como resultado o derramamento de sangue, que poderia ser facilmente impedido com ações para coibir a prática de bullying nas escolas brasileiras.

A morte de sua mãe adotiva parece ter sido o rompimento definitivo entre a realidade e a fantasia na mente de Wellington. Dona Dicéa era para ele como um porto seguro, a única que o entendia e o protegia. Meses depois ele pede demissão do emprego e resolve sair da casa de sua irmã adotiva para se isolar em seu mundo particular, sombrio e macabro. O seu único refúgio social era a internet, onde ele tinha seus amigos virtuais e conseguia manter algum tipo de relacionamento com pessoas.

Em sua cabeça fantasiosa e doente, Wellington misturava crenças religiosas com discursos fundamentalistas. Em seus manuscritos ele dizia pertencer a um grupo extremista e que planejava uma ação terrorista juntamente com Abdul e Philippe em outros países. Provavelmente todos os personagens de uma história que só existia em sua mente doente e altamente influenciavél.

O problema que Wellington trouxe para a superfície ao cometer o maior massacre desse tipo no Brasil é muito maior do que seu ato em si, vai além.

Todos nós deveríamos refletir e ver o que estamos fazendo para que atos como esse não se tornem comuns em nosso país, que sempre foi norteado pela paz e pela solidariedade do seu povo.

Tenho certeza que muitos explorarão os desdobramentos desse caso, como já estão fazendo ao tentar omitir os problemas causados pelo bullying nas escolas; ao tentar criar heróis inexistentes, como por exemplo o policial que entrou na escola minutos depois do inicio do massacre (que diga-se de passagem estava apenas cumprindo o seu serviço); ao dar voz à boatos e inverdades como as que foram ditas no mesmo dia do crime; e ainda ao tentar colocar mais culpa em alguém que já é completamente culpado pelo que fez.

Ouso em dizer que Wellington é vítima e vilão, duas faces da mesma moeda nessa história. Ele é vítima dessa sociedade hipócrita que o criou e o alimentou com todos os ingredientes necessários para se tornar um monstro. E ele é vilão, por ter posto um ponto final na história de 12 crianças inocentes e por ter deixado uma ferida que dificilmente cicatrizará em todos que presenciaram cenas como a do menino Edson, que agonizava ao tomar um tiro no olho, a poucos metros de seu assassino, que naquela hora já havia dado cabo a sua própria vida.

E para finalizar, quero deixar uma frase do gênio William Shakespeare, que acredito sintetizará todo o meu pensamento:

“Há mais coisas entre o céu a terra do que supõe nossa vã filosofia.”

Mauro Filho