Vamos falar de Humor Negro.
“Carimba JC! Carimba que o pecado foi legal!” É assim, que meus amigos reagem quando alguém solta uma piada vil, detestável, cruel, macabra, mórbida e vulgar de humor negro. Plagiando o bordão da dupla esportiva Sílvio Luiz/Godoy, a gente imagina o Todo Poderoso com sua caderneta na mão carimbando mais um selo no cartão-fidelidade do inferno.
Humor negro é uma forma peculiar de sátira. Aprendido desde a mais tenra infância com pérolas da sabedoria como “O que eu vou ser quando crescer? Nada, você tem câncer” e “Me dá uma bicicleta? / Pra que, você já tem cadeira de rodas” evolui mais tarde para métodos mais e mais desagradáveis de rir da desgraça alheia.
Aliás, esta é a síntese do humor negro, rir da desgraça do próximo. O drama tem dois lados, a tragédia e a comédia. Quando juntamos os dois, temos uma forma arrebatadora e cruel de sarcasmo. Sarcasmo significa “humor dos cães”, o que ajuda a entender a coisa.
Há quem diga que o humor negro é catártico, que nos alivia o peso do medo de alguma tragédia que pode acontecer a qualquer um de nós, simplesmente rindo dela. Rir é o melhor remédio e a melhor prevenção. Eu tenho que concordar.
No Brasil o humor negro ainda era tratado como objeto de tabu até meados da década de 90. Não se conhece nenhuma boa piada de Bateau Mouche ou de Edifício Joelma, por exemplo. Dos anos 70/80 eu só me lembro de um grande nome do humor negro, o cartunista Henfil, que com seu Fradim escreveu em 69: “O Pelé pode fazer nesse domingo o milésimo gol, já pensou se ele sofre um acidente e perde as duas pernas?” Com o protesto dos leitores ele respondeu: “Tá, bom, tá bom, só uma perna então!”
Quando tudo mudou?
Com um acidente de carro. Dener de Souza, jogador do Vasco da Gama e promessa do futebol, morreu em abril de 94. A notícia logo se espalhou e do nada, começaram a surgir piadas nefastas sobre o acidente que ganharam as ruas e libertaram o humor negro do seu confinamento moral.
Como se não fosse o bastante, um mês depois morreu em um acidente terrível o piloto Ayrton Senna. Não estamos mais falando de promessas do esporte e sim um herói nacional. Foi aí que o humor negro abriu-se para o mundo. “Você chorou quando o Senna morreu?/ O Damon Hill!”; “O que é uma conversa do Senna com o Piquet? Um papo sem pé nem cabeça”.
Porém, o pior estava por vir. Em 96, a coisa perdeu a estribeira, quando o avião PT-LSD cai na Cantareira e leva com ele a banda de rock mais famosa no Brasil na época, “Os Mamonas Assassinas”. Em questão de dias, fotos dos corpos e piadas detestáveis corriam a web, bares e escolas. “Porque o avião não virou pra direita? / Porque a sigla era PT”; “O que você achou dos Mamonas? / Eu achei um braço”.
O negócio era tão forte que permitia até alguns combos como: “O Senna e o Dener, quando viram os Mamonas chegando disseram: a gente já não aguentava mais o piano do Tom Jobim”.
Perceba que o fenômeno começa entre 94 e 96, não por coincidência, época em que a internet começa a se firmar no Brasil, um meio de comunicação onde você não precisa colocar seu rosto, seu nome, as mensagens são instantâneas e multiplicáveis. Em outras palavras, território livre e fértil para a proliferação do humor negro.
A partir daí, vira praticamente um ritual. Acontece alguma tragédia, um famoso morre, lá vêm as habituais piadas de mau-gosto no cortejo fúnebre. Como moscas e urubus. Hoje é cada vez mais curta a distância entre uma tragédia e a primeira piada sobre ela.
Aproveitando sadicamente esta vertente do humor começa aqui o “Carimba JC”, uma coluna só de humor negro, pra quem sabe rir da desgraça alheia. Deus que perdoe nossas ofensas assim como perdoaremos quem nos ofender nos comentários.